Charles-Pierre Baudelaire, um
poeta francês disse um dia que: “a maior
astúcia do demónio
é fazer crer ele que não existe”. Esta afirmação de
Baudelaire é algo que pode ser dito não só no sentido teológico, mas também nas
sociedades humanas. Isto porque um dos grandes trunfos daqueles que pretendem
dominar os outros é usar máscaras para fazerem crer que não são os mesmos que
no passado tanto mal fizeram à humanidade.
Na década de 20 e na década de 30
a Europa ainda a recuperar da Primeira Guerra Mundial decidiu fazer algumas
experiências políticas, novos caminhos e em especial caminhos em que se
propunham terminar com os políticos corruptos, com aqueles que apenas
pretendiam enganar o povo, aqueles que controlavam tudo para se manter no poder.
Diziam que a democracia era um engano porque os eleitos eram sempre bandidos inactivos sem experiência e sem conhecimento da realidade do homem comum, o que
de facto não era muito longe da verdade. Apresentavam-se sempre como os
representantes do cidadão comum, o cidadão trabalhador, como alguém que mais do
que representante era como eles, tinha sofrido as mesmas agruras e agora
revoltava-se contra esses bandidos responsáveis pelo estado das coisas,
proclamando que era hora de se libertarem desses políticos profissionais “encantando”
milhares como incautos marinheiros que se encantavam com o canto das sereias. Uma
das grandes vantagens que esses novos arautos da revolta contavam era com a
grande quantidade de analfabetos e ignorantes que grassavam na Europa por essa
altura.
Assim na década de 20 e década de
30 a Europa viu subir ao poder vários destes “filhos da providência”, começou
com Mussolini e o fascismo na Itália em 1922, depois a ditadura militar
portuguesa em 1926, de inspiração fascista e que foi a rampa de lançamento de
Salazar que entrando em cena em 1928 chegou ao poder, de facto, definitivamente
em 1933, no mesmo ano Hitler consegue formar governo na Alemanha e em 1936
Franco levou a Espanha para guerra civil e chega definitivamente ao poder em
1939 com a vitória na guerra civil. Todos estes homens se apresentaram como
salvadores da pátria, do povo, para corrigir tudo e todos tiveram maneiras diferentes
de fazer as coisas e entre eles havia apenas algo comum, eram ditadores. Procuravam
controlar tudo e todos e aqueles que se mostrassem contrários às ideias e
ideais destes homens iriam provar a brutalidade que em último caso podia
significar a morte. Controlavam a imprensa, o teatro, o cinema, a literatura, a
música e procuravam doutrinar as mentes para tentar controlar também o
pensamento. Tinham policias com a missão de capturar e controlar os “inconformados”,
policia essa que tinha informadores, tornando a sociedade numa sociedade de
medo, em que as palavras tinham que ser bem medidas sob pena de ter “visitas nocturnas” para ser levado para parte incerta. Tinham campos e cadeias para
estes inconformados, onde a tortura era a regra e a brutalidade a norma.
Fomentavam a lógica do nós contra os outros, a existência de “raça” e a nossa
era sempre superior ao outros, levando à xenofobia e subjugação ou extermínio
do racialmente inferior. Usavam a tradição como modelo de liderança, criando
superiores e inferiores até dentro de casa, o pai manda, os filhos e a mulher
obedecem, assim como o ditador manda e todos obedecem, ou seja, a misoginia era
tida como algo natural e tradicionalmente aceite.
Começaram na mesma altura e
terminaram em alturas diferentes e de formas diferentes, Hitler e Mussolini
(por arrasto) levaram o mundo para a segunda guerra mundial, onde pereceram
cerca de 60 milhões de pessoas, e após a derrota Mussolini foi morto e Hitler
suicidou-se. Portugal e Espanha apenas eram países neutrais embora com “neutralidade
colaborante” e por isso mantiveram-se no poder após a guerra, Salazar governou
até ficar incapacitado em 1968 e Franco governou até à sua morte em 1975. Em
ambos os casos os seus regimes acabaram por sobreviver pouco relativamente aos
seus criadores.
Portugal, Espanha, Itália e
Alemanha democratizaram-se, formaram democracias plenas e viveram como toda a
Europa numa grande vantagem, pois as pessoas recordavam a guerra que de uma
forma ou de outra todos eles líderes tiveram, viram o sofrimento da falta da
liberdade, sabiam o que líderes “providencialistas” significavam e tinham o
conhecimento e a experiência para saber que não se devia dar confiança a
determinadas conversas e teorias que não passam de demagogia. Criaram-se
instituições com a vontade de unir os povos da Europa para que todos pudessem desfrutar da paz e da prosperidade que todos juntos podiam alcançar, nasce a
CEE.
Mas a única constante do universo
é a mudança e assim o mundo mudou e também as mentalidades do final do século
XX e século XXI mudaram. Em primeiro lugar os políticos mudaram e a lógica política
mudou, nenhum viveu no tempo da guerra, nenhum sabe o que foi viver naqueles
tempos difíceis, nasceram, cresceram e sempre viveram na fartura, praticam a
soberba e vão tentando sempre tirar e tirar a quem trabalha, sem sequer
compreender o que sente o povo e o perigo do descontentamento generalizado.
Estes políticos também têm desinvestindo na escola, podem gastar milhões, mas
sempre com uma orientação de interesse político, a economia e os números
interessam e é aí que se deve investir na educação, ao contrário as humanidades
que ensinam a História e a Filosofia ensina as pessoas a pensar e povo que
pensa é povo que vê, percebe e protesta e povo que protesta não contribui para
a economia e se não contribui não interessa. Depois temos o outro ponto nefasto
desta equação que é a informação, ela é normalmente importante, mas hoje é
tanta e de tantas formas e tão permanente que se torna perniciosa. Basta abrir
uma qualquer rede social para descobrir uma centena de notícias em estão
misturadas notícias falsas com notícias verdadeiras e para piorar tudo muitas
vezes a distinção é difícil e não poucas vezes os meios fidedignos caem no erro
de passar informações falsas.
Voltemos ao diabo e à parte de
convencer os homens de que não existe, existem uns quantos que se têm
aproveitado desta nova sociedade de políticos de vistas curtas, de notícias
descontroladas e de um desinvestimento no conhecimento das humanidades. Estes novos
políticos aparecem como “novas ondas” têm uma maneira nova de fazer política e
têm ideias “novas”. Apelidam-se todos de “populistas”, apresentam-se contra o
estabelecido, dizem que querem implantar uma nova política de verdade e acabar
com os políticos que mentem e enganam. Acham-se superiores aos outros, vão
usando a conversa do nós contra os outros, até porque dizem que todos estão
contra eles, em especial os meios de informação, a vitimização funciona.
Apresentam-se como providencialistas e são ouvidos e usam toda a demagogia possível
e imaginária. E sempre que ouço estas “novas ideias”, “novos caminhos” e “novas
ondas” soa sempre a velho, bafiento vindo de outra era, porque é isso mesmo de
que se trata, estamos perante os mesmos que no passado semearam a ditadura e a
guerra a tentar uma nova vaga. Alguns já lá chegaram, Trump, Giuseppe Conte que
não é mais que a cara de um governo liderado pelo líder da extrema direita Matteo
Salvini, Viktor Orbán entre outros, como a Le Penn tem a presidência da França
não como uma miragem, mas como algo muito possível.
Concluo dizendo que assim temos a
tríade para a “tempestade perfeita”, temos políticos estúpidos e “fuinhas” que
apenas pensam na economia e no favor ao amigo, esquecendo o povo, pensando que
as pessoas comem números e não pensam no descontentamento, parecendo que vivem
numa torre de marfim sem capacidade olhar para baixo e ver que caminham para o
abismo, um desinvestimento na educação das humanidades secundarizando todo o
que se relaciona com fomentar a capacidade de pensar e perceber o mundo à sua
volta o que leva a uma falta de capacidade de seleccionar as quantidades brutais
de informação com que somos bombardeados todos os dias e populistas que não
passam de fascistas sedentos de poder e que percebem que o momento é perfeito
para voltar a impor a censura, a prisão por se dizer o que não se pode, a
perseguição politica e consequentemente no medo, e na subserviência.
António Manuel Guimarães