segunda-feira, dezembro 31, 2018

segunda-feira, dezembro 24, 2018

sábado, dezembro 22, 2018

Eu Acuso!

A 13 de Janeiro de 1898 Émile Zola escreveu um artigo intitulado “J'accuse”. Nesse artigo acusava uma série de pessoas e instituições que tomaram parte no “caso Dreyfus” e que fizeram todo o possível para conseguir condenar injustamente o capitão Alfred Dreyfus de traição. No fim provou-se que toda essa maquinação fora feita apenas e só por Dreyfus ser judeu.
No entanto este post não pretende falar sobre antissemitismo, mas sim sobre acusação, em especial acusar aqueles que para mim são os culpados pela ascensão dos extremismos na Europa e em Portugal.
Eu acuso a União Europeia! Em 1957 nasceu do pensamento de Jean Monnet e Robert Schuman a melhor ideia política de sempre na Europa, a Comunidade Económica Europeia! Esta comunidade foi o garante da paz na Europa por mais de 60 anos. Nunca a Europa viveu tanto tempo em paz como desde a criação da CEE até aos dias de hoje. Tanto Jean Monnet como Robert Schuman viveram em primeira mão os horrores da 2.ª Guerra Mundial, sabiam que os extremismos quer de direita que levaram à guerra, quer os extremismos de esquerda que governavam o leste da Europa e ameaçavam a paz, apenas podiam ser combatidos se os países europeus passassem a viver em paz duradoura, em democracia, em solidariedade, negociando os produtos que tinham e queriam vender e os que tinham em carência ou simplesmente não tinham e que queriam comprar, sem pensar em conquistas e a remarem todos no mesmo sentido para levar à prosperidade de todos os povos da comunidade. No entanto, com o passar dos anos a ideia foi-se esbatendo. A União Europeia nasce do momento em que a solidariedade se ia esmorecendo, o bem comum passou a ser o bem de alguns e a imposição de alguns sobre todos os outros. A economia passou a ditar o que se faz, os valores humanos têm um papel secundário e a austeridade passou a ser a norma. Resultado a austeridade leva ao descontentamento, o descontentamento leva à procura de outras opções e quando todas as opções tradicionais parecem más, procuram-se novas e desconhecidas opções e claro está que os extremistas que viviam na sombra, esperavam por este momento, surgem com o mesmo canto de sereia do passado e crescem com a sua mensagem linda mas falsa e que apenas levará inevitavelmente à mesma experiência do passado, ou seja, um período de autoritarismo, egoísmo e ditadura.
Eu acuso os políticos europeus! O período de paz deveu-se unicamente a uma circunstância, os políticos que governavam a Europa democrática nas décadas de 50, 60, 70 e 80 do século XX eram Homens que sabiam o que era a guerra, sabiam o que era o fascismo, o nazismo, o comunismo, ou seja, sabiam o que era a ditadura, sabiam o que era não ter liberdade. Para além disso sabiam também que governavam para os seus povos e que se não governassem bem havia sempre os comunistas do outro lado da cortina que podiam aproveitar esse momento para tentarem expandir os seus satélites. Nesta altura a extrema direita estava em “hibernação”, nem sequer tinham coragem de falar. Quando algum se tentava por de pé, nem tinha hipótese, qualquer político deste período era inteligente o suficiente para “desarmar” intelectualmente este indivíduo, bastava demonstrar as vantagens da democracia e tolerância e se fosse preciso comparar com a vida de horror anterior. Estes sujeitos que raramente mostravam algum sinal de inteligência, viviam da esperteza, dos antigos beneficiários dos regimes do antigamente e dos desencantados ignorantes que existem sempre em qualquer sociedade. Mas os políticos de hoje não têm nada que ver com estes do passado, chegaram à política não por mérito, mas por esperteza, traições, mentiras, influências, enfim tudo o que não é desejável. Depois quando chegaram a governantes governavam, mas sempre com a sombra da corrupção a pairar, com negócios falsos, com estranhos sinais de riqueza, beneficiando os amigos ou aqueles a quem deviam favores, esquecendo o povo, esquecendo os que os elegiam, trepando para uma torre de marfim, como aquela do “Dinossauro Excelentíssimo” de José Cardoso Pires. Como se isso não bastasse são também nada sérios no exercício das suas funções, e não nos podemos esquecer dos deputados que faltam ao trabalho e pedem a outros para marcarem presenças falsas, outros que incluem falsidades no currículo como licenciaturas falsas, mestrados inexistentes ou doutoramentos falsos, ainda acrescentando actividades que nunca exerceram. Para além de toda esta falta de ética temos que constatar que a tendência é perpetuar estas práticas, como exemplo recordo a eleição de uma presidente de uma juventude partidária que inclui no seu currículo mestrados que nunca fez e cargos que nunca exerceu, um péssimo sinal para o futuro. A somar a tudo isto também temos que nos lembrar dos deputados que deram moradas falsas para receberem mais subsídios, um ato desonesto que vai directamente ao bolso de cada contribuinte e que contribui para o descrédito dos políticos, ditos democráticos portugueses. Por fim temos que dizer que estes atos para além de desonestos são pouco inteligentes, pois achavam estes senhores que na sociedade do conhecimento ficaria alguma coisa por descobrir, alguma coisa por espiolhar. Pouco inteligentes, cegos na sua soberba e incapazes de perceber que com estes actos estão a criar mais desencantados e isso é a melhor prenda para os extremistas quer de direita, quer de esquerda.
Eu acuso os grandes partidos democráticos! A maioria dos partidos democráticos surgiram nos países europeus no fim da 2.ª grande guerra, em alguns países como Portugal ou Espanha surgiram após o fim dos regimes ditatoriais como o Salazarismo e o Franquismo respectivamente. Inicialmente só se juntava a um partido quem demonstrava ser da tendência ou cor do partido e só subia hierarquicamente quem conseguia realmente destacar-se pelas suas capacidades e inteligência, qualidades fundamentais para um bom político. Os partidos foram governando, respeitando os seus princípios, normalmente alinhados com uma tendência mais moderada de esquerda, ou mais moderada de direita, mas sem nunca esquecer o social e a democracia, a maioria sobre a minoria, a igualdade de oportunidades para todos, o teórico acesso a todos de alcançar pelo seu mérito qualquer cargo, qualquer posto, qualquer situação económica. Mas claro está que governando assim há partidos que se tornam mais poderosos e se têm poder tornam-se apetecíveis para aqueles que, pretendem ter poder pelo poder e assim surgem os políticos fuinhas. Aqueles que independentemente do que pensam apenas entram num partido pela oportunidade de ascensão social que podem alcançar através da esperteza. Não têm que acreditar na linha ideológica do partido, apenas têm que acreditar que o partido lhes dá um cargo, uma oportunidade de enriquecer, de mandar, ou simplesmente, um tacho. Não raras vezes é possível ver hoje esta gente a apoiar extremismos, mostrando que nunca passaram de extremistas oportunistas que viviam do que os partidos democráticos lhes davam. Alguns destes políticos fuinhas ganharam tanto poder que meteram nos cargos dos partidos a sua seita de fuinhas, espalhando esta doença como se de um vírus se tratasse, ocupando um partido como um hospedeiro, acabando por transformar o partido antes democrático num antro de falta de integridade, de muito amiguismo e a corrupção deixou de ser a excepção para ser a regra.
Eu acuso a comunicação social! Nasci numa família onde se lê bastante, o meu pai fazia questão de comprar o jornal diário todos os dias e já se sabe que depois do jantar era hora de ver o noticiário na televisão, portanto cedo comecei a perceber a importância da informação e também cedo comecei a folhear as páginas dos sempre presentes jornais. Sempre me impressionou a qualidade dos jornais do passado, um erro num artigo, dava direito no dia seguinte a um pedido de desculpa, uma notícia era confirmada e reconfirmada e só depois publicada, ou seja, a integridade e seriedade eram tidas como capital. Mas com o passar dos anos foi surgindo uma nova realidade na comunicação social, pois alguém chegou à conclusão de que a comunicação social era um negócio que tinha tudo para dar grandes lucros. Daqui surgem duas opções, ou os jornais faziam o difícil que seria apostar ainda mais na qualidade, na seriedade, na confirmação da notícia e na integridade, tornando-se competitivos pela qualidade, levando sempre a uma melhoria e tornando-se necessários e cumprindo a sua missão de informar, ou então faziam como realmente fizeram, que foi exactamente o oposto do referido anteriormente, foram pelo caminho fácil, a qualidade é uma miragem, a seriedade uma quimera, a confirmação da notícia uma utopia, tornando-se competitivos para ver quem é que choca mais, quem dá mais rapidamente informações bombásticas e replicam estas “notícias” enquanto derem vendas ou audiências, quando deixarem de dar passam para outro escândalo, ou outro mexerico. Qualquer mexerico, qualquer situação é empolada conforme se vende ou será rapidamente descartada se não vender, a importância de informar a sociedade pouco importa. Não informam, são apenas barulhentos e espetáculo puro e duro. Como exemplo relembro o caso do BANIF, um banco que faliu por causa de uma notícia bombástica, mas falsa, algo que provocou grandes danos quer ao estado, quer a pequenos investidores, que em vários casos perderam as poupanças de uma vida. Mas os meios de comunicação não contavam com um elemento novo que surgiu no início do século XXI e se foi disseminando ao longo dos anos, falo da internet, em particular das redes sociais e aqui surgiu um grande problema. Os jornais viviam na certeza que apenas tinham que competir uns com os outros, e a internet veio baralhar esta certeza. Repentinamente os jornais tinham que competir primeiro com blogues, depois com as redes sociais. Em que muitas vezes gente sem formação nenhuma, sem nenhum conhecimento em particular escrevem aquilo que acham ser verdade, expõem ideias, pensamentos e notícias. Devido ao caminho da notícia espectáculo a credibilidade dos jornais não era muita e as vendas passaram a cair a pique, e mesmo quando os jornais se ligaram à internet já vieram atrás do prejuízo. Ainda tentaram defender a legitimidade dos jornais relativamente ao domínio da informação, mas a verdade é que quando tinham o seu monopólio trataram-na tão mal que ninguém ligou. Mas daqui não surgiram vantagens, temos blogues para desencantados normalmente liderados por extremistas de esquerda e de direita que procuram capitalizar descontentamentos de forma aumentar as suas hostes. E os próprios jornais para se adaptarem começaram também a defender tendências, e assim, uma pessoa que lê o Expresso, não é uma pessoa que lê o Observador, uma pessoa que lê o Público não lê o Diário de Notícias e uma pessoa que lê o Correio da Manhã simplesmente não gosta de estar informado.
Eu acuso a educação! Em Portugal o ministério da educação nunca teve pessoas tão bem preparadas como tem hoje, nunca na nossa história havíamos tido um período em que todos os professores tivessem um curso superior como hoje acontece. No entanto a forma como o estado tratou a educação foi sempre de uma forma descuidada e não poucas vezes turbulenta, e somente porque acham que se gasta muito dinheiro com a educação, mais uma vez, a economia acima de tudo. Turbulência essa que muitas vezes serve o propósito de desacreditar os professores e secundarizando a importância do ensino, prejudicando a imagem da própria escola e transmitindo ideias erradas para a sociedade. Sociedade essa que devia entender a importância da escola e devia proteger aqueles que cuidam do futuro dos seus filhos e, no fundo, o futuro de Portugal, e que esquecem que a escola pública é o garante da democracia na educação e o que dá a oportunidade de qualquer aluno a chegar ao lugar que ele ambiciona, sem olhar para o seu dinheiro, para a sua família ou qualquer outro aspecto da sua personalidade. No início da segunda década do século XXI, uma das grandes preocupações foi distratar mais particularmente as ciências sociais. Tínhamos e temos “Camilos” a vir para os jornais e televisões dizer em plenos pulmões que a história não interessa nada porque não contribui para a economia. O “Camilo” era só um arauto da lógica ignorante que se instalava em Portugal relativamente a um pensamento extremo de neoliberalismo, as ciências eram importantes, as engenharias o futuro e tudo o resto era desperdício de recursos. Era um claro sinal que o que se pretendia era um engenheiro servil e obediente que não soubesse pensar por si. De repente as pessoas deixaram de querer as humanidades, a filosofia e a história foram relegadas para segundo plano e isso acima de tudo é um caminho para a ruína e um favor para os extremistas. A História ensina que nada do que hoje se passa é novidade para a humanidade, ensina que este caminho já foi trilhado e com resultados muito nefastos, pelos mesmos motivos dos actuais e apesar de ter actores diferentes, eles actuam exactamente como no passado. A Filosofia por sua vez ensina a pensar, a perguntar, a querer saber, a procurar a resposta para lá do evidente e a entender a realidade do que nos rodeia. Ou seja, as humanidades são detestadas pelos políticos, porque nada melhor para um político do que um técnico superior, que não sabe pensar por si, que obedece cegamente e que não questiona, que não quer saber de nada para além daquilo que estudou, não reconhece sinais de alerta e não poucas vezes acha que sabe o que nem sequer sonha. Um servil com canudo. Essa ignorância superior é aproveitada pelos extremistas quer de direita, quer de esquerda, que vão buscar estes incautos, juntam-nos aos seus quadros e usam-nos como meios de legitimação das suas ideias, dizendo que o Sr. Dr. tal está connosco, ou o Sr. Engenheiro X partilha das nossas ideias. Também relativamente à educação não podemos esquecer a falta de adequação dos cursos à realidade do trabalho existente, temos das melhores universidades em determinadas áreas, os alunos que saem estão geralmente bem preparados tecnicamente, mas não encontram emprego em Portugal, simplesmente porque não há trabalho para aquela função, ou seja, para trabalhar têm que emigrar e tal é a qualidade da sua preparação técnica que são recebidos de braços abertos por essa Europa fora, até porque os países para onde eles vão pagam melhor e sabem que não tiveram que investir um euro na formação daquele individuo. Assim a factura foi paga por Portugal, o benefício, esse, foi da Inglaterra ou da Alemanha.
Eu acuso a justiça portuguesa! Não se trata de acusar os juízes, não se trata de acusar os funcionários judiciais, não se trata de acusar os agentes da autoridade, mas é acusar a justiça cativa que temos em Portugal! Um gravíssimo problema da nossa justiça está naqueles cuja função é apresentar e aprovar as leis, ou seja, os deputados da Assembleia da República. Muitas das grandes queixas dos políticos em Portugal está relacionada com os interesses corporativistas, eles são os interesses corporativos dos enfermeiros, os interesses corporativos dos professores, dos funcionários da carris e até os interesses corporativos dos polícias, mas ninguém fala do pior deles todos que é o interesse corporativista dos deputados, isto porque grande parte dos deputados são advogados e não menos grave, continuam a exercer a actividade, porque pasme-se, não é considerado incompatível, quando, por exemplo um funcionário público eleito tem que cessar funções na entidade pública em que trabalha, porque é incompatível. Agora vejamos, o deputado faz as leis que o tribunal tem que aplicar, e considerando que assim é e considerando que a maior parte dos deputados são advogados que exercem a profissão, temos esta situação de termos leis boas para advogados. Assim temos milhentos recursos, a maioria com efeitos suspensivos de penas, ou seja, um arguido com dinheiro pode ir de recurso em recurso até ao dia em dá o último suspiro sem sentar o rabinho na cela um minuto que seja. Assim fica sempre aquela sensação real de impunidade por parte dos políticos acusados de corrupção, que mesmo depois de condenados a penas efectivas andam por aí livremente, temos até o caso do arguido condenado mas que ficou em liberdade para passar o Natal com a família. Isto enquanto o cidadão comum, com menos poder económico é condenado, vai para a cadeia e por lá fica simplesmente porque não pode pagar os recursos que o podiam soltar. Uma justiça eficaz para os pobres, mas extremamente tortuosa, longa e leve para os poderosos. Claro que as extremas têm tendências em apontar estas situações como manifestações de injustiças e até têm razão, o único problema é que, nos sítios onde mandaram a justiça não era melhor, era bem pior, primeiro porque os alinhados nem a tribunal chegavam e os pobres e os democratas não eram presos por não ter dinheiro, mas simplesmente por aquilo que pensavam ou diziam.
 
António Manuel Guimarães