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Lixo informativo
Desde cedo senti que era a informação era fundamental, talvez porque em
minha casa era regra ter sempre o jornal do dia. O meu pai comprava
religiosamente e diariamente jornais e às segundas, quintas e domingos
comprava dois, porque era nesse dia que se vendiam os desportivos e à
sexta-feira ainda recebíamos em casa a “Gazeta das Caldas” de que os
meus pais foram assinantes durante anos. O primeiro jornal nacional de
que me recordo de ver em casa foi “A Capital”, antes desse penso que era
o “Diário Popular” mas sem certeza. Também relativamente à televisão a
informação era sempre vista com atenção, o telejornal era visto todos os
dias a seguir ao jantar. Claro que nos primeiros anos o telejornal era o
programa que menos me interessava e que apenas marcava a proximidade de
ir para a cama.
Mas claro está que crescendo neste ambiente volta e
meia ouvia uma notícia que me interessava, ou lia uma notícia no jornal
que me despertava interesse e por fim lá estava eu a acompanhar o
telejornal e a ler os jornais.
Uma coisa é certa, desde que comecei
a acompanhar as noticias que senti admiração pelas pessoas quer dos
telejornais, quer da imprensa, em especial porque lhes reconhecia
cultura, espírito critico, criatividade, inteligência e para além de
tudo isto profissionalismo e zelo com o trabalho que se fazia. Mais
tendencioso ou menos tendencioso, mas tenho a impressão que o jornalismo
dos finais dos anos 80 e início de 90 era muito bom, faziam
essencialmente bom trabalho. Um exemplo era os erros, ou gralhas, havia
tanto cuidado e zelo que um erro num jornal merecia uma correcção logo
no dia seguinte, porque era um de ponto de honra escrever correctamente.
Depois durante os anos 90 surgem em Portugal mais dois canais
televisivos, primeiro a SIC e depois a TVI, canais privados para fazer
concorrência aos dois que havia anteriormente, a RTP 1 e a RTP2 que
pertenciam à mesma empresa, a Rádio Televisão Portuguesa que era e é
estatal. A concorrência pode ser uma vantagem, porque muitas vezes
obriga a que quem surge de novo tenha que ser melhor do que aquele que
está estabelecido, para conseguir atrair público e aqueles que estão
estabelecidos têm que se actualizar para conseguir aguentar o seu
público. E inicialmente tudo funcionou bem, as notícias receberam um
lufada de ar fresco, novos jornalistas, novas maneiras de abordar a
informação e o rigor mantinha-se. No entanto os novos canais, para
atrair público, volta e meia cediam ao sensacionalismo, procuravam a
notícia chocante e se não a encontravam faziam-na. A SIC foi a primeira a
embarcar nesta prática e mais tarde a TVI, em especial quando deixou de
pertencer à Igreja e foi comprada primeiro pela SONAE e depois pela
Média Capital, mergulhou inteiramente no sensacionalismo barato. As
notícias que não interessavam, que tinham apenas como intenção provocar o
impacto, elevar os mexericos a casos nacionais, quanto mais bombástico
melhor e no início do novo milénio era para mim impossível ver os
noticiários quer da SIC, quer da TVI.
Quanto à imprensa, as coisas
seguiram um caminho parecido, os jornais que pertenciam a empresas
pequenas foram sendo comprados por empresas maiores, o Grupo Impresa
dono da SIC, que já detinha o “Expresso” foi comprando outros jornais,
muitos destes desapareceram das bancas, a Média Capital dona da TVI
comprou também alguns jornais e até a Rádio Comercial, surgem também
grupos inicialmente de jornais que se tornam dominantes como a Cofina
dona do “Correio da Manhã” e do “Record”. Os jornais que permaneciam
independentes e que antes eram de referência foram perdendo estatuto e
espaço e acabaram por desaparecer. E com eles também desapareceu a
qualidade, o interesse em informar, o rigor, a inteligência e o zelo. O
surgimento da Internet e dos jornais on-line foi a machadada final. E
hoje apenas três jornais são considerados de referências, dois sérios “O
Púbico”, que é diário e tem tido uma deriva demasiado tendenciosa e que
já me perdeu como leitor e o “Expresso” semanário em papel e diário
on-line e por fim o maior de todos e jornal de referência nacional o
“Correio da Manhã”. Este jornal entretanto ganhou também espaço
televisivo e é um caso sério de popularidade, pois rapidamente
ultrapassou os outros canais exclusivamente informativos e é hoje um dos
canais mais vistos na TV. No entanto quais são os temas deste jornal e
canal? O choque, o drama, o horror, tudo o que é mexerico merece
directos, por vezes estão lá antes de se dar o caso porque são
informados previamente que o caso se vai dar, dão voz a todo o
disparate, a todo rumor, inventam notícias, repetem até à exaustão como
se assim a mentira passasse a ser verdade, quando o caso não se dá,
inventam outra para tapar a primeira treta, muitas vezes mascaram de
“notícias” as opiniões privadas de alguns. O jornal em papel tem ainda
um bónus, diariamente nas páginas centrais tem o “bem organizado” guia
da prostituição em Portugal, em que separa as prostitutas por distrito e
por concelho, porque vá, o jornal é nacional. Mas o grave é que este
estilo vende, as pessoas sentem-se atraídas pela tragédia e para as
“investigações” que o jornal faz. Lembro-me de um caso recente em que
este pasquim “descobriu” através de um arrependido que um alto
funcionário de um clube de futebol tinha comprado jogadores e árbitros, o
arrependido foi glorificado durante dias, todos os dias surgia um
arrependimento novo, começou no andebol e acabou quando deu com a língua
nos dentes e disse que tinha sido pago por este jornal para dizer o que
disse, passou de bestial a besta numa edição e de informador endeusado
passou à personificação da besta demoníaca do Apocalipse em nota
editorial.
Depois por fim existe ainda outro problema relativamente
às noticias, são as “replicações”, uma noticia avançada por este órgão
de referência é replicada por todos os outros órgãos de comunicação, ou
seja, este pasquim diz que aconteceu isto e záz, passados poucos minutos
todos os outros órgãos afirmam que segundo o jornal “c” aconteceu isto,
sem verificar, sem falar com os intervenientes, sem cuidado, sem
contraditório, mas com muita pressa para não perder a “cavalgada” de uma
noticia, por mais dúvidas sobre a veracidade que possa existir, ninguém
quer perder o momento.
Em suma, a imprensa de referência hoje em
Portugal é má, em especial o jornal de maior tiragem, porque desinforma,
é tendencioso e tem apenas o objectivo de fazer dinheiro, fazendo
“tábua rasa” relativamente ao cumprimento daquilo que deveria ser as
suas principais funções que são a luta pela verdade e informação
honesta, escudando os seus atos na liberdade de imprensa, tem a mesma
veracidade do que muitas noticias com que somos brindados praticamente
todos os dias nas redes sociais.
António Manuel Guimarães