
Mário Soares faleceu hoje dia 7
de Janeiro de 2017 aos 92 anos. É evidente e é justo reconhecer a Mário Soares
um papel de extrema importância na democracia e na política portuguesa. Começa a sua acção política na juventude aos 19 anos em que se junta a um grupo de esquerda
organizado pelo PCP e portanto de oposição ao Estado Novo. Já depois de ter
sido afastado do PCP, em 1958 faz parte da comissão de candidatura de Humberto
Delgado à presidência da república.
Defendeu vários presos políticos em
tribunal e acabou também por ser preso 12 vezes cumprindo um total de 3 anos de
prisão, sendo deportado para São Tomé e por fim partiu para o exílio em França.
Volta a Portugal logo após o 25
de Abril e íntegra os primeiros governos provisórios assumindo a pasta dos Negócios
Estrangeiros entre Maio de 74 até Março de 75 tendo um papel determinante na
independência das colónias portuguesas. Neste processo Mário Soares em
divergência com Spínola, que procurava ganhar tempo e queria salvar o que fosse
possível salvar, quer também dar tempo a quem estava nas colónias para poder
vir embora, viaja com Otelo Saraiva de Carvalho para a Zâmbia e assina o Acordo
de Lusaka que entrega a independência a Moçambique. A independência era justa e
inevitável mas de tal forma importante que não pode ser feita de animo leve e
esta assinatura foi prematura, precipitada e mal organizada e absolutamente
nada negociada e assim acabou por condenar portugueses a fugir e não só de
Moçambique como também de Angola, muitos vieram com a roupa que tinham no
corpo, outros morreram e em última análise esta assinatura contribuiu para a
guerra civil quer em Moçambique quer em Angola. Muitos dizem que era a
descolonização possível, mas para mim é a descolonização mal gerida e que
resulta apenas da vontade de Soares sem ligar ao bom senso ou à logica e apenas
para garantir protagonismo e agradar a alguns sectores da política quer
nacional, quer internacional.
Posteriormente continuou a
integrar vários governos provisórios e foi primeiro-ministro por três vezes,
logo nas eleições constituintes em 75 derrotou o PCP e conseguiu fazer com que
a revolução seguisse o rumo da democracia e que não caísse na substituição de
uma ditadura de direita por uma outra ditadura de esquerda que parecia inevitável.
Geriu com dificuldade o período do Verão quente e conseguiu sempre superiorizar-se
à esquerda radical e quando Eanes ganha as eleições contribui no acalmar do
clima politico.
No seu último acto como
primeiro-ministro em 1985 assina o tratado de adesão de Portugal à C.E.E.,
processo iniciado por Sá Carneiro. Posteriormente será eleito duas vezes como Presidente
da Republica ficando no cargo entre 1986 e 1996.
Quando terminou o segundo mandato
como Presidente da República disse que bastava de cargos políticos, em 1997 assumiu
a presidência da Fundação Portugal África, foi também presidente da Movimento
Europeu Internacional. Criou também a Fundação Mário Soares
Daqui entra naquela fase em que tem
uma espécie de papel de senador especialmente dentro do PS. Faz os seus
comentários e interfere quando acha que deve, a última dessas acções terá sido a
ascensão de Costa apoiado por Soares contra Seguro. Pelo meio alguns casos
menos claros, como a história da alegada compra dos terrenos à volta da OTA
pela fundação quando Sócrates queria fazer o aeroporto e que alegadamente
explica a zanga com Sócrates quando este mudou a construção para “o deserto”. Relação
que depois se pacificou e Soares visitou mesmo Sócrates quando este estava
preso. E a história de um acidente de avião que transportava o seu filho e
alegadamente uma carga “pouco clara” e que nunca se explicou de forma
convincente. Retorna ainda à vida política, num período que podia fazer perigar
o seu prestígio e ai o PS não soube gerir a situação e aconteceu mesmo que num
momento talvez de alguma inaptidão decorrente de tantos anos fora da política acaba
por insultar uma concorrente ao cargo de Presidente do Parlamento Europeu
dizendo que ela tinha “um discurso de dona de casa”. Ainda concorre mais uma
vez à presidência da república mas acaba duplamente derrotado quer por Manuel
Alegre que fica em segundo lugar, quer por Cavaco Silva que é eleito para
Presidente da República.
Hoje espera-se que se diga as
palavras de circunstância, certamente teremos honras de Estado e obviamente
teremos dias de luto nacional. Mas como sempre nestas ocasiões falar-se-á dos aspectos
positivos da vida de Mário Soares, esquecendo os pontos negativos e promovendo
uma santificação recorrente aquando do falecimento de alguém.
E assim concluo reafirmando que Mário
Soares é um homem com um papel fundamental e insubstituível na política portuguesa,
lutou activamente contra a ditadura e depois lutou pela democracia e ajudou de
forma magistral a garantir a democracia em Portugal. Na sua acção tem muitos
casos polémicos podemos gostar ou não e podemos ou não concordar com o que fez,
tem responsabilidades em casos positivos mas também em casos negativos. Mário
Soares terá certamente um papel maior e de destaque quando no futuro se
escrever a História dos dias de hoje.
António Manuel Guimarães