Teria piada…se não fosse tão perigoso!
Esta semana vimos o
primeiro-ministro israelita num acto a roçar o burlesco. Andava de um lado para
o outro numa sala, a apontar para um conjunto de DVDs e de ficheiros em papel e
a dizer que ali estava a prova de que o Irão estava a enriquecer urânio para
produzir armamento nuclear, que não estavam a cumprir o acordo e que assim o
programa nuclear iraniano não tinha comprovadamente intenções pacíficas. Ora
vendo este triste espectáculo de propaganda para “apoiante de Trump ver”,
lembrei-me de rever aquilo que se sabe sobre o armamento nuclear israelita.
Então recordemos o que aconteceu,
pouco tempo após a proclamação de independência do estado de Israel em 1947, os
israelitas começaram a reclamar capacidade e combustível nuclear para o recém
país, Ben Gourion dizia que a intenção era puramente pacífica, apenas pretendia
produzir energia para o povo israelita. É claro que, nos finais da década de 40,
ninguém acreditava que um país quisesse este tipo de equipamento para fins
pacíficos, para mais um país ameaçado em todas as suas fronteiras como era o
caso de Israel. No entanto Ben Gourion reafirmava a intenção pacífica e fazia
uma pequena chantagem falando no anti-semitismo e no holocausto. Claro que a
Inglaterra e os EUA fazem ouvidos moucos e não querem saber disso para nada,
mas a França por sua vez sente a chantagem. A França durante a ocupação nazi
foi dos países que mais enviou judeus capturados por delação francesa, para os
campos de extermínio nazi, aliás muito antes até da primeira grande guerra a
França era conhecida como um país extremamente anti-semita, é de recordar o
caso Dreyfus que abalou o meio intelectual francês no final do século XIX.
Assim em 1949 a França apoia Israel com equipamento e conhecimento nuclear,
construindo um reator e uma planta de reprocessamento nuclear que ficou
concluída no final da década de 50. No final da década de 60 Israel já tinha
construído a sua primeira bomba nuclear e tudo isto ficou comprovado com
relatórios que chegaram a Inglaterra e que foram tornados públicos em 1986.
Actualmente estima-se que Israel tenha entre 75 a 400 ogivas nucleares que
podem ser lançadas por submarinos, aviões e por misseis balísticos. O estado de
Israel numa condição conhecida por “opacidade nuclear” nunca confirmou a posse
de armas nucleares, mas também nunca negou. Também não assinou o Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares, mas não por dizer que não tem armamento
nuclear, mas sim por afirmar que “comprometia a segurança nacional”.
Resumindo, Israel dizia que
queria tecnologia nuclear para fins pacíficos e o resultado foi a criação de um
arsenal nuclear considerável, reclama agora dizendo que o Irão está a fazer o
mesmo que Israel fez há sessenta anos atrás. Provas não as mostram, apenas um
primeiro-ministro faccioso a apontar para uns DVDs e umas pastas supostamente
com papeis com não menos supostos planos nucleares iranianos.
Como entram os EUA nisto tudo?
Trump tem uma base de apoio muito fiel, aliás é para esta base de apoio que ele
governa e esta base de apoio é composta por um conjunto de pessoas muito pouco
recomendáveis, desde partidários da supremacia branca, a maluquinhos do
armamento com a NRA à cabeça, aos homens da alta finança, onde se incluem
muitos judeus que financiaram a campanha de Trump e fundamentalistas
evangélicos. Ora este último grupo tem uma visão romântica de Israel, como se
fossem os seus antepassados religiosos, os ungidos que devem ser protegidos e
foi por causa deles e de quem lhe financia a campanha que Trump fez aquela
patetice de mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém e é agora para
além de questões de geopolítica por estes evangélicos fundamentalistas que
Trump rasga o acordo com o Irão, usando as supostas provas israelitas como
justificação para os seus actos.
Qual pode ser o resultado deste
rasgar de acordo? George W. Bush também rasgou um acordo que havia sido firmado
na administração Clinton entre a Coreia do Norte e os EUA que tinha como
intenção impedir a produção de armas nuclear pelo regime norte coreano. E esse
rasgar de acordo teve o resultado que todos sabemos, a Coreia do Norte começou
a enriquecer urânio e actualmente a Coreia do Norte tem armamento nuclear que o
regime norte coreano fez questão de demonstrar já em diversos episódios. Ora
isto apenas nos faz pensar que com o fim do acordo nada impede o Irão de
iniciar exactamente o mesmo processo.
Trump justifica-se afirmando que
Teerão é responsável pelo terrorismo islâmico, outra afirmação que carece de
prova. Aliás a única prova é que Osama Bin Laden era da Arábia Saudita, país de
maioria sunita, ou seja, é inimigo figadal do Irão de maioria xiita, acontece
que a Arábia Saudita é aliada dos EUA e não fica bem reconhecer que um aliado é
o responsável por produzir gente que deitou abaixo duas torres gémeas em Nova
Iorque, é preferível transferir essa responsabilidade para o Irão que tem vindo
a crescer ao ponto de hoje ser uma potência regional islâmica com bastante
influência, agindo em vários palcos como a Síria, ao lado do regime de Damasco
e ao lado da Rússia opondo-se claramente aos rebeldes e aos EUA. É aliás neste
ponto de geoestratégia que reside aquilo que disse atrás, os interesses políticos
que levam a este rasgar deste acordo. Não será por acaso que logo após o rasgar
do acordo por Trump, Israel tenha lançado um ataque aéreo contra forças sírias.
António Manuel Guimarães