quarta-feira, maio 09, 2018


Teria piada…se não fosse tão perigoso!
Esta semana vimos o primeiro-ministro israelita num acto a roçar o burlesco. Andava de um lado para o outro numa sala, a apontar para um conjunto de DVDs e de ficheiros em papel e a dizer que ali estava a prova de que o Irão estava a enriquecer urânio para produzir armamento nuclear, que não estavam a cumprir o acordo e que assim o programa nuclear iraniano não tinha comprovadamente intenções pacíficas. Ora vendo este triste espectáculo de propaganda para “apoiante de Trump ver”, lembrei-me de rever aquilo que se sabe sobre o armamento nuclear israelita.
Então recordemos o que aconteceu, pouco tempo após a proclamação de independência do estado de Israel em 1947, os israelitas começaram a reclamar capacidade e combustível nuclear para o recém país, Ben Gourion dizia que a intenção era puramente pacífica, apenas pretendia produzir energia para o povo israelita. É claro que, nos finais da década de 40, ninguém acreditava que um país quisesse este tipo de equipamento para fins pacíficos, para mais um país ameaçado em todas as suas fronteiras como era o caso de Israel. No entanto Ben Gourion reafirmava a intenção pacífica e fazia uma pequena chantagem falando no anti-semitismo e no holocausto. Claro que a Inglaterra e os EUA fazem ouvidos moucos e não querem saber disso para nada, mas a França por sua vez sente a chantagem. A França durante a ocupação nazi foi dos países que mais enviou judeus capturados por delação francesa, para os campos de extermínio nazi, aliás muito antes até da primeira grande guerra a França era conhecida como um país extremamente anti-semita, é de recordar o caso Dreyfus que abalou o meio intelectual francês no final do século XIX. Assim em 1949 a França apoia Israel com equipamento e conhecimento nuclear, construindo um reator e uma planta de reprocessamento nuclear que ficou concluída no final da década de 50. No final da década de 60 Israel já tinha construído a sua primeira bomba nuclear e tudo isto ficou comprovado com relatórios que chegaram a Inglaterra e que foram tornados públicos em 1986. Actualmente estima-se que Israel tenha entre 75 a 400 ogivas nucleares que podem ser lançadas por submarinos, aviões e por misseis balísticos. O estado de Israel numa condição conhecida por “opacidade nuclear” nunca confirmou a posse de armas nucleares, mas também nunca negou. Também não assinou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, mas não por dizer que não tem armamento nuclear, mas sim por afirmar que “comprometia a segurança nacional”.
Resumindo, Israel dizia que queria tecnologia nuclear para fins pacíficos e o resultado foi a criação de um arsenal nuclear considerável, reclama agora dizendo que o Irão está a fazer o mesmo que Israel fez há sessenta anos atrás. Provas não as mostram, apenas um primeiro-ministro faccioso a apontar para uns DVDs e umas pastas supostamente com papeis com não menos supostos planos nucleares iranianos.
Como entram os EUA nisto tudo? Trump tem uma base de apoio muito fiel, aliás é para esta base de apoio que ele governa e esta base de apoio é composta por um conjunto de pessoas muito pouco recomendáveis, desde partidários da supremacia branca, a maluquinhos do armamento com a NRA à cabeça, aos homens da alta finança, onde se incluem muitos judeus que financiaram a campanha de Trump e fundamentalistas evangélicos. Ora este último grupo tem uma visão romântica de Israel, como se fossem os seus antepassados religiosos, os ungidos que devem ser protegidos e foi por causa deles e de quem lhe financia a campanha que Trump fez aquela patetice de mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém e é agora para além de questões de geopolítica por estes evangélicos fundamentalistas que Trump rasga o acordo com o Irão, usando as supostas provas israelitas como justificação para os seus actos.
Qual pode ser o resultado deste rasgar de acordo? George W. Bush também rasgou um acordo que havia sido firmado na administração Clinton entre a Coreia do Norte e os EUA que tinha como intenção impedir a produção de armas nuclear pelo regime norte coreano. E esse rasgar de acordo teve o resultado que todos sabemos, a Coreia do Norte começou a enriquecer urânio e actualmente a Coreia do Norte tem armamento nuclear que o regime norte coreano fez questão de demonstrar já em diversos episódios. Ora isto apenas nos faz pensar que com o fim do acordo nada impede o Irão de iniciar exactamente o mesmo processo.
Trump justifica-se afirmando que Teerão é responsável pelo terrorismo islâmico, outra afirmação que carece de prova. Aliás a única prova é que Osama Bin Laden era da Arábia Saudita, país de maioria sunita, ou seja, é inimigo figadal do Irão de maioria xiita, acontece que a Arábia Saudita é aliada dos EUA e não fica bem reconhecer que um aliado é o responsável por produzir gente que deitou abaixo duas torres gémeas em Nova Iorque, é preferível transferir essa responsabilidade para o Irão que tem vindo a crescer ao ponto de hoje ser uma potência regional islâmica com bastante influência, agindo em vários palcos como a Síria, ao lado do regime de Damasco e ao lado da Rússia opondo-se claramente aos rebeldes e aos EUA. É aliás neste ponto de geoestratégia que reside aquilo que disse atrás, os interesses políticos que levam a este rasgar deste acordo. Não será por acaso que logo após o rasgar do acordo por Trump, Israel tenha lançado um ataque aéreo contra forças sírias.
António Manuel Guimarães